sexta-feira, 13 de abril de 2007

O impacto que a Declaração Universal dos Direitos do Homem teve na sociedade

Quarenta e sete anos após a sua proclamação, os direitos do homem continuam a ser uma referência mítica para uma sociedade humana universal que se revela impossível de realização. Foi no passado e continua a ser ainda hoje uma utopia generosa, sem capacidade para desencadear uma luta eficaz pela libertação do homem de toda a exploração, dominação e alienação.
A Declaração dos Direitos do Homem está ligada a uma tradição individualista e, por isso, tem a ver necessariamente com a civilização burguesa ocidental. Na sua dimensão simbólica, possui ainda um carácter universalista, com vista na libertação das particularidades individuais. Feita à medida dos interesses da burguesia, contém em si capacidade para se estender aos mais diversos recantos do espaço social.
Não foram, porém, realizadas todas as promessas de igualdade e de liberdade, de progresso e de bem-estar, enunciadas na Declaração dos Direitos do Homem. Traídas as revoluções em nome da liberdade, o futuro fica impedido sob o peso das inércias sociais.
As lutas e as conquistas pelas liberdades e pelos direitos do homem não têm seguido um caminho linear. Muitos são os equívocos, as hesitações e algumas contradições. A violência, a tirania e, não raro, a tortura e o terrorismo continuam a estar presentes nas sociedades ocidentais. O racismo espontâneo ou institucional expande-se na vida social, e corre o risco de tomar foros alarmantes. Formas de constrangimento, hoje como outrora, apoiam-se em princípios que se querem emancipadores. Tanto o individualismo mais extremado como as diversas modalidades de organicismo podem ser postos ao serviço da opressão. Os direitos do homem vêem-se, assim, constantemente colocados face a dilemas ou envolvidos em profundas contradições.
Os direitos do homem são afirmados e protegidos através não só do ordenamento jurídico de cada país, mas ainda de uma constante reivindicação. Perante a violência que parece estar em vias de dominar a vida social das actuais sociedades, desperta facilmente a ideia de que possam ser perversas as liberdades fundamentais. A falta de protecção presente dificulta a abertura a novos espaços de liberdade. Continuando a ser tributários do individualismo, que procura a liberdade necessária ao êxito material, em subordinação à ética utilitarista, facilmente convertem a lei do dinheiro em lei do mais forte. As democracias estiolam em puras referências platónicas, sem conteúdo substantivo de libertação e de cidadania.
Ao mesmo tempo que se desenvolve uma acção sobre o sistema político, criando contra poderes dotados de capacidade de intervenção activa nas políticas sociais, há que promover uma educação para a liberdade em toda a população e nos mais diferentes agentes sociais, de modo a torná-los, mediante a eventual mobilização, nos principais defensores de tais direitos.
As relações sociais são permeadas de força e de violência. O conflito é lhes inerente. Mas não poderão a força e a violência colocar em perigo o equilíbrio da sociedade, com atentados à dignidade das pessoas, sob pena de se cair em estados graves de anomia.
As sociedades estão constantemente em processo de mudança, porque o homem é um ser em transformação. Os direitos do homem devem ser, por isso, continuamente respeitados e vividos de novo. Por toda a parte onde não estão adquiridos, dão origem a reivindicações e lutas. Trata-se, então, de definir a sua legitimidade e a sua extensão ou de assegurar a sua defesa. Quando reconhecidos, importa protegê-los. Mas há ainda a conquista de novos espaços de liberdade, com o alargamento do seu conteúdo e dos seus campos de aplicação. Multiplicam-se as exigências de liberdade, proliferam as novas áreas de direito, à medida do desenvolvimento da democracia.
O reconhecimento dos direitos do homem constitui, por isso, no mundo actual, a base de toda a política, porque ponto de partida para a acção em liberdade. Não são uma política particular, mas o seu contexto. Irrompem na vida social, fora do domínio propriamente político. São pois políticos numa acepção mais profunda e lata. As questões sociais importantes da época presente giram à volta da sua legitimidade e da sua extensão a novas liberdades, e da exigência de protecção contra os riscos criados pela actividade colectiva. As ameaças que pairam sobre as sociedades são políticas, cívicas e sociais. Os direitos do homem, de forma permanente, tornam-se assim fonte de criação de novos direitos.
O progressivo alargamento do campo dos direitos do homem acompanha, de facto, o processo de emancipação de grupos sociais particulares, em situação de marginalidade na vida social. Dando expressão à liberdade, fazem crescer o espírito de responsabilidade no interior da sociedade civil.
Esta constitui o meio propício à sua emergência, contra o arbitrário dos poderes existentes.
Nas práticas e nas representações sociais, a liberdade e a democracia são incompatíveis com absolutismos, fixismos, intolerâncias e opressões.
A Sociedade levanta, hoje em dia, questões inquietantes em relação ao seu futuro, questões económicas, políticas, financeiras, culturais e militares.
Mudanças tecnológicas e industriais estão em curso. O mundo ocidental vive sob a ameaça da concorrência internacional, nomeadamente por parte de impérios, durante séculos adormecidos, do extremo Oriente.
Que será da liberdade, sem o desenvolvimento. A descida do nível de vida, o crescimento do desemprego e o aparecimento de novas formas de pobreza põem em causa a democracia. Mas que será da liberdade em democracias demasiado burocratizadas, onde o homem não se sente capaz de se desenvolver e de se exprimir em plenitude.
O grande desafio que se põe à sociedade de hoje é o da obtenção da máxima qualidade de vida, ao lado do pleno desenvolvimento, ao mesmo tempo que o completo reconhecimento dos direitos do homem. As sociedades pós-industriais e pós-materialistas exigem uma nova prática dos direitos do homem.
A Europa constitui, na actualidade, um enorme desafio aos direitos do homem. Estes apenas serão salvaguardados, se conseguir reinventar continuamente a vida humana. Para introduzirem novas práticas de liberdade, as sociedades europeias necessitam de reivindicar o sentido para a existência e a significação para as coisas, em simultâneo com a promoção de projectos de libertação nas relações sociais. Somente então os direitos do homem em desenvolvimento, uma vez garantidos, lançam a base indispensável ao respeito pela dignidade e pela igualdade humanas.